sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Alguns Estudos de António Costa









Estudo para o quadro "ASILADO"
Estudo para o quadro "Sé do Porto"




terça-feira, 11 de novembro de 2014

"O pintor António Costa e os "coirinhos que a gente tem aqui "…", por Abel Salazar.


Abel Salazar (1889-1946), ilustre médico, escritor, investigador cientifico, artista plástico (desenho, escultura e pintura) critico de arte e ensaísta português, subscreveu no nº 89 de 8/3/1936 do jornal "O Diabo (1934-1940), um artigo a seguir reproduzido e que se transcreve abaixo: 























"O pintor António Costa e os 'coirinhos' que a gente tem aqui" ...  por Abel Salazar 

Nesta terra abençoada de Tripa & Bacalhau, em coisas de arte, quem tem um olho é rei. Por isso, dizer que António Costa é a melhor personalidade artística da pintura tripeira contemporânea em nada pode definir a categoria deste artista : - pois que o "melhor" em tais circunstancias pode ser simplesmente detestável.
António Costa, porém, não tem necessidade de recorrer ao famoso ôlho para ser nesta terra de cegos pessoa realenga: porque a sua personalidade artística marcaria em qualquer meio bem mais rico do que o nosso. Talvez mesmo que aí fosse essa personalidade mais evidente, porque o artista, nesta terra de Tripa & Bacalhau, recolhe-se ao silêncio, quási não expõe e poucos o vêem. E como não recorre ao ruidoso reclame de um Sousa Lopes ou de um Carlos Reis , e seu Menino, o resultado é que, não só quási ninguém, entre nós, lhe conhece a valia, mas até com dificuldade se pode pôr em relevo.
Não se lhe conhecendo o atelier, para o qual nunca convidou, que eu saiba, solenemente as "gazetas", e raramente expondo, como fazer a análise da sua obra? A situação é paradoxal. Porque as raras coisas que, uma vez por outra, de fugida, aparecem expostas e ao público, são insuficientes, porém, para estudar e definir a sua obra.
Assim, fica-se na expectativa e aguarda-se uma exposição:- mas esta jamais vem, e António Costa, misteriosamente, continua fechado no seu esfíngico silêncio.
Sabe desenhar, construir, modelar e pintar; tem uma alta visão de artista, a inteligência e a cultura:- coisa singular, quasi anormal, nesta boa terra de Tripa & Bacalhau, onde um mestre da Escola de Belas-Artes chama à rótula um "coirinho que a gente tem aqui" - "aqui", isto é precisamente  na terra da Broa & Bacalhau -  António Costa passa como um fantasma, silenciosamente, pelas ruas sonolentas, possivelmente para o seu atelier, possivelmente ninguém sabe para onde...
Perdido no seu sonho e embriagado pela magia da sua arte, Costa esquece-se da gente, deixa-nos por completo perdidos entre "os coirinhos que a gente tem aqui". Creio bem que sua Ex.ª não é orgulhoso; que não desdenha dêstes desgraçados que por aqui, na terra da Tripa, ainda gostam de poisar olhos em boa pintura. Mas se porventura o é, não me furto a vir perante sua Ex.ª, humildemente, fazer a seguinte reza! 
- Senhor! Nesta terra da Tripa, aqui vivemos em coisas de arte, entre "coirinhos que a gente tem aqui ...". Sabeis, Senhor, o que é a vida artística nesta invicta cidade cheia de Glória e Bacalhau...Paineis e Mamarrachos, mamarrachos e Paineis; "Sóquinhos" e "Verdades", "verdades" e " Sóquinhos...". E, de tempos a tempos, solenemente,com grande estrondo, a invasão dos "Pères Lapin"...
..."Pères Lapin", assim chamam os malthusianistas franceses aos ternos pais prolificos: Reis Pai & Reis Filho são agora os "Pères Lapin" da Pintura Portuguesa.. Nos últimos anos com efeito, caiu sôbre o Porto temerosa diarreia de pintura Reis-Pai, de pintura Reis-Filho, acompanhados ora sim ora não da sua côrte e vassalagem. E mal a gente, aborrecido, sai da última exibição saturado de real bonecada, já no horizonte, ao sul, lá para as bandas de Lisboa, se acastelam núvens, em ameaça torva de ousado ataque às gentes tripeiras; e eis, com efeito, que os jornais anunciam: "Deu-nos ontem a honra da sua visita...etc.". E pronto, lá está a tendinha outra vez no Salão: saem das gavetas, nos periódicos, os adjectivos caixa Nº 1 - Génio! Fulgor! Pasmo! Stupôr! - e a romaria começa, basbaque, à feira famosa do bruxedo reiseiro.
Ora, conversemos um pouco. isto de pintura, de bonecada, de paineis, da mesma maneira que música e poesia, vinho e amores, e mais amostras da patétice humana, apenas se tolera de boa qualidade e em doses fraccionadas.
Mesmo a grande Arte, nos Museus, absorvida em quantidade, imprudentemente, causa digestões e náuseas, faz da pintura uma coisa odiosa, insuportável, e finda-se por cair na desagradável impressão de vomitar óleo e tinta.
Os prolíficos Pères Lapin da grande pintura, mesmo quando Rubens se chamem, acabam por fatigar, na repetição monocórdica do seu tic estético: ao fim de algum tempo, no museu, fastidioso é já suportar as exuberâncias, truculências, hipertrofias e deboches, Kermesses, Olimpos, Deusas, Venus, Ninfas e todo o guarda-roupa flamante do pletórico flamengo : Jordaens ... ao fim de pouco tempo torna-se positivamente intolerável me Murillo enjoativo.
A arte pantagruélica torna o homem estúpido, pois que, se há coisa necessitando medida e discrição, é o ritmo oscilante e caprichoso com que a sensibilidade e os nervos de hoje recebem a sugestão artística.
Assim, pois, que há-de a gente fazer em face dêste duche de bonecos, pinturas e paineis, abóboras, garrafas, garrafões, tijelas, caçarolas, retratos, retratinhos, retratecos - senão gritar : - uff! Misericórdia, S. Jerónimo, Stª. bárbara, Virgem!
- Ou então, sr.!...
... é o sr. Canelas no "Salão Opel" ... em -:... Ritmos vibratórios em zig-zag psico-dinâmico: arqui- -vida metafísoco-plástica. Trevas em convulsão de Deus: espasmos extra-lúcidos de animismo super-consciente: filosofia plástica em contra-choque: Quintessência! Post-Essência! ascensão linear!
!UPA!
... Desta forma, Sr.! ousamos pedir-vos que nos liberteis por  alguns momentos, de Paineis e Mamarrachos, "Verdades" e "Sóquinhos", e diarreia de garrafas, garrafões, caçarolas, tijelas, retratos, retratinhos e abóboras:- dais-nos, Sr.! qualquer coisa que nossos olhos contristados contemplem com prazer, qualquer coisa que nos alegre a alma dolorida, aqui estiolando entre os "coirinhos que a gente tem aqui..."


quinta-feira, 27 de março de 2014

A Exposição de 1937

A única exposição individual de António Costa, realizada em Fevereiro de 1937 no Salão Silva Porto, no Porto, teve na sua génese as necessidades económicas geradas pela instabilidade da sua vida no período 1931/34, durante o qual, e por razões políticas, foi por diversas vezes preso e internado no Forte de Peniche e no Forte de S. João Baptista (Angra do Heroísmo).

Nessa exposição António Costa apresentou 36 trabalhos, em 4 disciplinas: óleo, pastel, desenho e gravura, tendo as obras vendidas - a quase totalidade das expostas - rendido 17.200$00

A propósito desta exposição foram publicados dois artigos: um, na coluna de Arte de publicação e autor não identificados, a seguir transcrito:


"Exposição de António Costa

António Costa é um dos mais talentosos e notáveis pintores da moderna geração. Afirma-o, exuberantemente,a sua obra primorosa - documento flagrante e precioso dum talento pujante e duma sensibilidade apurada.

António Costa tem tanto de modesto como de talentoso. E este pintor - que tão sobejas provas de mérito artístico tem dado - ainda não está no professorado da nossa Escola de Belas - Artes! Ali, a sua figura e a sua arte seriam o luminoso orgulho duma geração de artistas e professores de arte.

É preciso ir-se ver, ao Salão Silva Porto, a notável exposição de António Costa - que acaba de ser ali inaugurada com extraordinária concorrência - para se aquilatar da pujança do talento, do insofismável pessoalismo, da poderosa técnica e da requintada sensibilidade do expositor.

De facto, António Costa formou uma galeria de arte a todos os títulos notável. Os trinta e seis trabalhos expostos - óleo,pastel, desenho e gravura - formam um conjunto precioso, a que as pupilas dos nossos olhos se prendem num embevecimento.
A expontaneidade da fatura, o pessoalismo e a pujança da técnica, o puro sentido académico do desenho, a natural e inteligente distribuição das cambiantes - enfim, todo o conjunto artístico e espiritual dos mil segredos da pintura está firme e integro, na paleta privilegiada de António Costa.

Na exposição vêem-se cinco grandes retratos - quatro a óleo e um a pastel. Este e o e Mestre Teixeira Lopes, uma preciosa obra-prima, como aliás, são os restantes - os dos arquitectos Marques da Silva e Agostinho da Fonseca, da veneranda mãe do sr. dr. Couto Nobre e do sr. Nicolau da Fonseca. Todos estes retratos são admiráveis como flagrância, como arte e como técnica. Têm vida - as figuras parecem fixar-se com alma, parecendo querer falar… A delicadesa da fatura do retrato do grande estatuário Teixeira Lopes é surpreendente. Dois pastéis formidáveis : Poveiro e Vareiro - duas máscaras fortes, cheias de carácter.

O estudo Fim - título que é uma síntese e um  símbolo - é simplesmente notável. Arrepia toda aquela verdade !

Em paisagem expõe António Costa quadros belos e de superior relêvo artístico, como : Douro, Sobrosa, Gerêz, Casa no Douro - adorável de contrastes de luz - , etc. Delicadas as suas Rosas, belo o estudo do nú, flagrantes e encantadores os dois trabalhos de natureza-morta e primorosos de carácter os aspectos do Porto típico, em que há verdade, fisionomia própria e ambiente.

Em desenho e gravura também apresenta excelentes trabalhos. Magníficos os retratos a desenho do escultor Américo Gomes e do sr. Fernando Galhano, e o auto-retrato.

A exposição continua franqueada ao público. Já foram adquiridos alguns trabalhos.

A brilhantíssima galeria de arte de António Costa - o talentoso pintor-intelectual - merece ser vista por todos os amadores de pintura; deve mesmo ser visitada por todos aqueles que se interessam pelas manifestações de arte pictural - já que este primoroso certame, sendo a cabal e vitoriosa afirmação dum sólido talento, é ao mesmo tempo, um motivo de nobre orgulho para a pintura portuguesa."



A outra critica, de autoria de Tércio Miranda, foi publicada no jornal O Diabo, Ano II, nº 142, 14 de Março de 1937, p.8 (@CasaComum.org), transcrita seguidamente:

"António Costa no Salão Silva Porto

Desta feira de vaidades em que se vive e que giram à volta do turvo marulhar daqueles que jornadeiam com o trabalho e a inteligência alheias, surge às vezes a nota destacante que voeja em palpitações místicas. 

Tal é o caso da exposição de António Costa no Salão Silva Porto, deslumbramento pletórico de côr e de forma, que traduz a realidade objectiva da sua Arte _ a Arte de Pintar - numa agudeza deliciosa de perfume pagão.

A plasticidade incorruptível dos seus trabalhos tem a vibração estética da vida e são todos tocados de penetrante sagacidade. é a vitalização da tela, em tonalidades prodigiosas, na magnificência realista da onda tumultuosa da existência.

António Costa é um artista - está na plana dos maiores Artistas do seu tempo.

Em impressionismos marcantes de Mestre, sabe dar valor objectivo ao quadro, sob o influxo maravilhoso e profundo de formas imperecíveis, afirmando a sua touche vigorosa de colorista, sem exuberâncias decorativas.

É inteligente e culto. E, vivendo e sentindo as dores humanas, sabe dar - como é sua própria expressão - humanidade aos seus modelos.

E assim é, em verdade.

O pincel e o lápis do Artista surgem como a interpretação sublime do verdadeiro sentido humano, inçando a bondade ingénua e pura do lutador que se bate nas fráguas da dor lancinante.

Os retratos de Teixeira Lopes e Marques da Silva, como os demais expostos, são o perfeito significado da humanização e da vitalização da tela. Ali há forma. Há transparência de côr e realidade de penetração.

As fisionomias observadas nos dois estudos para um quadro - Fim - revestem-se de expressões tétricas que evocam a dôr cruel e a miséria envolvente das vítimas do desiquilíbrio social. Os dois estudos são bem o legendário bruxuleante da vida, sob a influencia desconjuntante de várias paixões. É como na água-forte - Os degraus da Igreja e da Bolsa - uma mancha flagrante de vida emurchecada. É a luz mística que ilumina aqui o pórtico do templo. Em contraste, a sombra que se projecta na pendência das escadas envolve algumas deformações humanas, que pacientemente esperam, naquela degradação, o óbulo, dado e recebido, por caridade de Deus...
Na paisagem, António Costa reune um documentário artistico de precioso merecimento.
Não é preciso destacar o recanto do Douro, Gerez ou Sabrosa, focar pinheiros ou rosas, motivos de natureza morta, cenas de rua ou qualquer rincão de vetustes citadina. Todo o repositório artístico de maravilhas que se expõem no Salão Silva Porto, em Cedofeita, é uma canção sublime de bucolismo palpitante, cuja côr e ritmo fazem parte integrante da personalidade do Mestre, cuja técnica segura vai até ao conhecimento perfeito do valôr das tintas e da ciência das proporções.
António Costa tem o conceito elegíaco da Arte que toca a dor eterna e criadora e o seu pincel resplandece em arremêços heróicos de notas fúlgicas e de singular beleza.
É soberbo no lápis, sob a expressão transcendente da verdade emotiva.
Nos retratos deixa transparecer a fluidez subtil da síntese psicológica da imagem real, sendo o seu auto-retrato um primoroso estudo litográfica, onde muito poderão aprender os que se dedicam a esta profissão.
António Costa, que conquistou por direito o seu lugar entre os raros Mestres, não pode para no meio desta vertigem desordenada do viver contemporâneo.
Parar - usando a frase banal mas certa - é morrer.
E António Costa, o Artista que dá movimento e côr ao drama selvagem da vida trágica, não parará.
No poder das ideias, terá que caminhar sempre à margem desta feira de vaidades, onde os canhões da vida contemporânes saltam por cima do trabalho honesto e inteligente."

Fotografias pessoais e correspondência






Com os irmãos José e Marcelino
Na camarata do Forte S. João Baptista (1934)
Com os filhos 

Viagem a Madrid


Postal enviado em 1938 da Alemanha para os amigos da OPCA

1940

No forte de S. João Baptista (1934)

Na Gracel




Camarata do Forte S. João Baptista (1934)

Óculos antigos

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

No falecimento de António Costa

Em 23 de Novembro de 1961, poucos dias após o falecimento de António Costa, Octávio Sérgio publicou no jornal "O Norte Desportivo" um artigo titulado  "NA MORTE DO PINTOR ANTÓNIO COSTA", que a seguir se transcreve, dada a deficiente qualidade do exemplar daquele jornal em meu poder.

"Todos nós seus amigos o sabíamos perdido, e, portanto a notícia da sua morte, ainda que muito dolorosa, não nos surpreendeu.
António Costa foi durante muitos anos um dos meus amigos mais íntimos e dedicados.
A nossa amizade de camaradas durou mais de quarenta anos e começou quando ambos éramos rapazes. Encontrámo-nos na Escola de Belas-Artes, na aula de Pintura, do mestre Marques Oliveira, e ali tivemos como companheiros, entre outros, Henrique Medina, Eduardo Malta, Barreiros da Cunha, Carlos Carneiro, Joaquim Silva e Adolfo Silva. Os meninos bonitos da aula eram Henrique Medina e Eduardo Malta, que mostravam habilidades excepcionais. António Costa, porém, nada tinha a ver com os habilidosos, pois tudo nele era inteligência, vontade de ferro, persistência, estudo e reflexão.
A biografia do Pintor ilustríssimo que foi António Costa não cabe um simples e modesto artigo de jornal. Mas é tão cheia de ensinamentos e de notas curiosas, que bem gostaria eu de a escrever um dia.
António Costa, como homem era de uma seriedade rara, verdadeiramente impressionante. A sua máscara vincada, dura, grave, encobria, porém, os sentimentos mais puros de um coração sensível. Como é natural e lógico, António Costa, como pintor, reflectia essa seriedade, essa gravidade. Continua a ser verdadeiro que "o estilo é o homem".
Não começou António Costa como "menino prodígio , não. Levou seu tempo a fazer-se, precisamente porque não era, felizmente, dotado dessa habilidade que muitas vezes se confunde com talento, quando e certo que o verdadeiro artista rarissimas vezes é habilidoso.
Destinava-o sua família ao comércio, e chegou a fazer num estabelecimento de fazendas da Rua das carmelitas a sua aprendizagem de marçano.
Mas era outro o seu destino, pelo que foi matricular-se na antiga Academia Portuense de Belas-artes, onde o fui encontrar, ele como aluno ordinário, eu como aluno voluntário.
Apesar de termos feitios muito diferentes e mentalidades em alguns pontos antagónicas, fizemos grande e leal amizade pela vida fora, e nunca entre nós houve a mais pálida diferença.É que António Costa era, antes de mais nada e acima de tudo, um homem primorosamente educado, recto e correcto.
Por isso a sua pintura foi sempre profundamente séria.
Mas tinha horror aos grupinhos, às capelinhas, e nunca logrou ter à sua volta uma corte de admiradores endinheirados. Ele próprio fugia desses meios onde é fácil triunfar, não pelo talento e pelo saber, mas, sim, pelos salamaleques, pelas reverências servis e simiescas. Já o seu próprio estilo, tão sério, tão grave, tão firme, tão sólido, afugentaria essa gente especial de certos meios a que é costume chamar …"alta sociedade".
António Costa, mesmo sempre a remar contra a maré, sem padrinhos nem mecenas, afirmou-se no nosso meio artístico, cada vez mais pobre, como um pintor de garra. Foi sobretudo um artista do claro-escuro, um desenhador de pulso, para o qual o "chiquè" das linhas escusadas era uma mentira convencional, aceite apenas pelos que ignoram completamente a seriedade do desenho.
Pintor, sim, cultivando todos os géneros, o retrato, a composição  a paisagem, a natureza morta. mas foi principalmente no retrato, que continua a ser a pedra de toque dos verdadeiros artistas, que deixou bem marcada a sua garra inconfundível de mestre incontestado do claro-escuro.
Abel Salazar, há poucos anos, numa entrevista concedia a um jornal de Lisboa, falou do pintor António Costa com o maior entusiasmo. Não exagerou quando lhe chamou grande pintor, um dos mais sérios pintores portugueses do seu tempo.
Se, como amigo e camarada de tantos anos, choro e lamento a sua morte, como seu admirador afirmo que é preciso reparar uma falta: é necessário que se organize, dentro de pouco, uma grande exposição retrospectiva da sua obra , e que alguém se encarregue de escrever um estudo biográfico e crítico sobre o pintor.
Não há, em boa verdade, melhor homenagem a prestar aos que desapareceram deste mundo do que lembrar o que fizeram de melhor no trânsito da sua vida bem efémera.
António Costa estava ausente dos meios artísticos há já um bom par de anos, mas deixou uma obra que chega para assinalar a marca de um verdadeiro e sério artista."




Neste artigo, escrito por um grande amigo de António Costa, que com ele conviveu desde a juventude, realçam-se alguns traços da sua personalidade marcante.

Na sua parte final Octávio Sérgio deixa duas ideias: a organização de uma exposição retrospectiva e   a escrita de uma biografia.

Não sendo hoje viável satisfazer qualquer um destes desideratos, resta-me, enquanto único neto vivo e passados mais de 50 anos sobre o seu falecimento, concretizar através deste blog e de uma publicação em fase de estudo uma modesta homenagem ao Homem  e deixar, para memória futura, uma lembrança  do que António Costa "…de melhor fez no trânsito da sua vida efémera". 

Notas biográficas de António Costa


Filho de Ermelinda Ferreira da Costa, nasceu no Porto em 7 de Dezembro de 1898.

Casa-se em 1921 com Violante Leite de Magalhães (1898-1980), com quem tem 3 filhos : Maria Violante (1921-2003), Miguel Ângelo (1924-1980), meu Pai, e António Raimundo, este falecido com tenra idade.

Viveu uma grande parte da sua vida, mesmo depois de casado, na casa de sua Mãe, à Rua do Rosário, 121, Porto, onde aquela desenvolvia a sua actividade de modista. 

Frequentou na Escola de Belas Artes do Porto o Curso Especial de Pintura do Mestre Marques de Oliveira, onde foi companheiro de Octávio Sérgio, Henrique Medina, Eduardo Malta, Barreiros da Cunha, Carlos Carneiro, Joaquim Silva e Adolfo Silva, que concluiu com classificação de Bom.


Entre 1923 e 1932 desempenha funções docentes na Escola de Artes e Ofícios Vitorino Damásio (Lagos), na Escola Industrial de Passos Manuel (Vila Nova de Gaia) e na Escola Industrial Infante D. Henrique (Porto).


Em 1930 passa a desempenhar  funções de Director Pedagógico na Escola Nacional de Desenho sediada na Avenida dos Aliados, 54, Porto, dedicada ao ensino de desenho por correspondência.

Entre Dezembro de 1931 e Setembro de 1934, António Costa atravessa um período de forte actividade política que lhe valeu ser detido  pela Polícia Internacional Portuguesa (posteriormente PVDE e PIDE) várias vezes com fixação de residência em Peniche (Forte de Peniche)  e em Angra do Heroísmo (Forte de S. João Baptista), bem como um período de exílio em Espanha.

Em Fevereiro de 1932 é demitido compulsivamente do cargo de Professor Efectivo da Escola Industrial Infante D. Henrique, que então desempenhava.

Em 1933 concorre ao concurso aberto pela Escola de Belas Artes do Porto, por morte de António Carneiro, para regente da cadeira de Pintura, no qual Dórdio Gomes é o 1º classificado e António Costa o 2º.

No final dos anos 40 cria  no Porto uma oficina de gravação de cilindros de cobre para a indústria de estamparia de tecidos. Posteriormente, associa-se à empresa francesa Keller Dorian Graveurs para criar a GRACEL - Gravadores Associados, Lda, com sede em Soutelo - Gondomar, já com actividades de âmbito mais alargado.

Em 1951 foi reintegrado nos quadros da Escola Industrial Infante D. Henrique. Entre 1952 e 1955 lecciona na Escola Gomes Teixeira, Porto. Regressa à Escola Industrial Infante D. Henrique em 1955 e ali lecciona até ao fim da vida.


Falece em 1961.


OBRA


António Costa encontra-se representado em numerosas colecções particulares e ainda nalguns museus nacionais :

  •  Museu Nacional Soares dos Reis (Porto)
  •  Casa Museu Teixeira Lopes (Vila Nova de Gaia)
  •  Museu Abade de Baçal (Bragança)
  •  Casa Museu Fernando Castro (Porto)
  •  Fundação Instituto Arq. Marques da Silva (Porto).

EXPOSIÇÕES


António Costa apenas realizou uma exposição individual, em 1937, no Salão Silva Porto, no Porto, na qual 36 obras suas atestam uma técnica apurada em quatro disciplinas: óleo, pastel, desenho e também águas fortes. A iniciativa desta exposição decorreu da necessidade de fazer face às dificuldades financeiras geradas nos  períodos em que António Costa esteve preso ou exilado.




Participa, também, em algumas exposições colectivas, de que se citam, por estarem documentadas:


  • 10ª Exposição Anual da Sociedade de Bellas-Artes do Porto, no Salão Silva Porto, em 1921
  • Exposição Internacional Centenário da Independência do Brasil, Rio de Janeiro, 1922
  • XII Exposição Anual da Sociedade de Belas Artes do Porto, no Salão Nobre da Associação Católica do Porto, em 1923
  • XXIII Exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, em 1926
  • Exposição Histórica do Vinho do Porto, no Salão Silva Porto, em 1931
  • Exposições Anuais realizadas pela Sociedade de Belas artes do Porto, no Salão Silva Porto (1931, 1932 e 1935)
  • Exposição de Pintura, Escultura e Arquitectura da Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, em 1933
  • Grande Exposição de Artistas Portugueses, no Salão Silva Porto, em 1935
  • Exposição de Arte da Escola Livre das Artes do Desenho, na Câmara Municipal de Coimbra, em 1935
  • Exposição Marítima do Norte de Portugal, no Palácio de Cristal no Porto, em 1939.

REFERÊNCIAS
  • Soares, Luis Lousada - Artes e Letras: Na tradição das gentes da casa, OPCA, 1992
  • Santos, Alfredo Ribeiro dos - A Tertúlia de José Praça no Ateneu Comercial do Porto, 1991
  • Sérgio, Octávio - Na morte do Pintor António Costa, in O Norte Desportivo de 23 de Novembro de 1961
  • Vasconcelos, Artur - Do retrato à Paisagem. Memórias Afectivas e Operativas, Porto 2012
  • Salazar, Abel - "O pintor António Costa e os coirinhos que a gente tem aqui…", in O Diabo - Grande semanário de literatura e crítica, nº 89 de 8 de Março de 1936






sábado, 18 de janeiro de 2014

O Concurso para Professor da Escola de Belas Artes do Porto

Pintor António Carneiro (1872 -1930)
Em 1933, por morte do Pintor António Carneiro, a Escola de Belas Artes do Porto (EBAP) abriu concurso para regente da cadeira de Pintura, a que se candidataram, para além de António Costa, Lauro Corado, Dórdio Gomes, Mendes da Silva, Abel Moura e Tomás Pelaio.

Um juri de nomes ilustres, onde figuram Aarão Lacerda, Teixeira Lopes, Joaquim Lopes, Júlio de Brito, Acácio Lino, Manuel Marques, Manuel Monterroso, Miguel Monteiro, Álvaro Lima e Veloso Reis apreciou as candidaturas apresentadas ao concurso.

António Costa estava então preso na PIDE e é sob prisão que presta provas, escoltado por agentes da policia politica do regime.



Apresenta a concurso 2 trabalhos : "O Julgamento de Páris" e uma "Academia Masculina", retratados na imagem abaixo.


Prova oral do concurso


Julgamento de Páris
Dórdio Gomes é o primeiro classificado, e António Costa o segundo, havendo quem, ao tempo, tenha ficado com dúvidas se as poucas garantias que António Costa, na situação de preso político, apresentava para tomar conta da regência no caso de sair vencedor, pesaram ou não na decisão de um júri cujo nivel e idoneidade estavam fora de causa.
Dórdio Gomes

Noticia em  publicação não identificada  sobre o concurso



quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Actividade docente

Durante uma grande parte da sua vida, António Costa desempenhou funções de docente no então designado Ensino Técnico, com uma interrupção de cerca de 20 anos, provocada por razões de ordem política.

Assim:
  • 1923 : Escola de Artes e Oficios Vitorino Damásio (Lagos)
  • 1923 a 1925 : Escola Industrial Infante D. Henrique (Porto)
  • 1925 a 1929: Escola Industrial Passos Manuel (Vila Nova de Gaia), onde desempenhou o cargo de Director, do qual foi exonerado a seu pedido.
  • 1929 a 1932: Escola Industrial Infante D. Henrique (Porto).
Em Fevereiro de 1932, e na sequência da sua prisão pela PIDE em Dezembro de 1931, foi exonerado, por despacho ministerial, do cargo de Professor Efectivo que então desempenhava na Escola Industrial Infante D. Henrique.

Em 1951, por estar abrangido pelo Decreto Lei 38267 de 31 de Julho de 1951, foi reintegrado nos quadros da Escola Industrial Infante D. Henrique.
  • 1951 a 1952: Escola Industrial Infante D. Henrique (Porto)
  • 1952 a 1955: Escola Gomes Teixeira ( Porto)
  • 1955 a 1961: Escola Industrial Infante D. Henrique (Porto)
Escola Industrial Infante D. Henrique (Porto)

Actividade política

Na sequência da sua participação na preparação da "intentona" revolucionária, prevista eclodir em 26 de Agosto de 1931 e coordenada por Camilo Cortesão, António Costa é preso pela Secção de Vigilância Política e Social da Polícia Internacional Portuguesa (posteriormente designada por PVDE e PIDE)  no Porto, em Dezembro de 1931.


Ficha de Cadastro na PIDE




























Em 22 de Junho de 1932  é "posto em liberdade … sendo-lhe fixada residência em Peniche, por ordem de Sua Exª. Ministro do Interior" .

Em Setembro de 1932 é chamado á sede da PIDE em Lisboa, para prestar declarações. Acompanhado por um guarda prisional, desloca-se para a Estação de S. Mamede (Bombarral), para apanhar o comboio para Lisboa, aproveitando a oportunidade para se evadir.

Em Dezembro de 1932 é-lhe "dada liberdade definitiva, em virtude de ter sido abrangido pelo disposto no Decreto 21.493".


Em Março de 1933 é preso de novo, por alegadamente  "estar envolvido em manejos conspiratórios".

Em Novembro de 1933 embarca para Angra do Heroísmo, a bordo do vapor Quanza, a fim de dar entrada no Forte de S. João Baptista.
Aqui é companheiro de destino de João Soares (pai de Mário Soares), Azeredo Antas, Manuel Godinho, José Praça e do escultor João da Silva. 


O período de prisão fica assinalado com alguns trabalhos com que procura preencher o seu tempo.

Assim, pinta na parede curva da sua camarata painéis alegóricos, um dedicado à Democracia e outros a Alexandre Herculano e a Mouzinho da Silveira. Aproveita também o tempo disponível para fazer o retrato de alguns amigos, também prisioneiros, tais como Manuel Godinho, José Praça e de outros prisioneiros.



Painel a Mouzinho da Silveira





Em Setembro de 1934 regressa de Angra do Heroísmo, sendo restituído à liberdade.



Placa no Forte de S. João Baptista
Obs. Numa viagem por mim efectuada em 2002 a Angra do Heroísmo, tive oportunidade de visitar o Forte de S. João Baptista, para aí tentar encontrar memórias da antiga prisão política.

As informações então recolhidas levaram-me à conclusão de que as instalações da prisão terão sido destruídas, e, com elas, os painéis antes referidos.

No inicio dos anos 40 passou a frequentar uma tertúlia que se reunia no Café A Brasileira, então centro político e intelectual da cidade, onde se reuniam as principais figuras da oposição ao regime vigente, entre as quais o Engº Manuel Godinho, o Engº José Praça, o Arqº Januário Godinho e o Engº Luis Soares, entre outros.

Durante os anos em que vivi com o meu Avô, na casa de S. Roque da Lameira, habituei-me às visitas que, de quando em vez, nos faziam os agentes da PIDE, quer para efectuar revistas quer para o levar para interrogatórios.