Abel Salazar (1889-1946), ilustre médico, escritor, investigador cientifico, artista plástico (desenho, escultura e pintura) critico de arte e ensaísta português, subscreveu no nº 89 de 8/3/1936 do jornal "O Diabo (1934-1940), um artigo a seguir reproduzido e que se transcreve abaixo:
"O pintor António Costa e os 'coirinhos' que a gente tem aqui" ... por Abel Salazar
Nesta terra abençoada de Tripa & Bacalhau, em coisas de arte, quem tem um olho é rei. Por isso, dizer que António Costa é a melhor personalidade artística da pintura tripeira contemporânea em nada pode definir a categoria deste artista : - pois que o "melhor" em tais circunstancias pode ser simplesmente detestável.
António Costa, porém, não tem necessidade de recorrer ao famoso ôlho para ser nesta terra de cegos pessoa realenga: porque a sua personalidade artística marcaria em qualquer meio bem mais rico do que o nosso. Talvez mesmo que aí fosse essa personalidade mais evidente, porque o artista, nesta terra de Tripa & Bacalhau, recolhe-se ao silêncio, quási não expõe e poucos o vêem. E como não recorre ao ruidoso reclame de um Sousa Lopes ou de um Carlos Reis , e seu Menino, o resultado é que, não só quási ninguém, entre nós, lhe conhece a valia, mas até com dificuldade se pode pôr em relevo.
Não se lhe conhecendo o atelier, para o qual nunca convidou, que eu saiba, solenemente as "gazetas", e raramente expondo, como fazer a análise da sua obra? A situação é paradoxal. Porque as raras coisas que, uma vez por outra, de fugida, aparecem expostas e ao público, são insuficientes, porém, para estudar e definir a sua obra.
Assim, fica-se na expectativa e aguarda-se uma exposição:- mas esta jamais vem, e António Costa, misteriosamente, continua fechado no seu esfíngico silêncio.
Sabe desenhar, construir, modelar e pintar; tem uma alta visão de artista, a inteligência e a cultura:- coisa singular, quasi anormal, nesta boa terra de Tripa & Bacalhau, onde um mestre da Escola de Belas-Artes chama à rótula um "coirinho que a gente tem aqui" - "aqui", isto é precisamente na terra da Broa & Bacalhau - António Costa passa como um fantasma, silenciosamente, pelas ruas sonolentas, possivelmente para o seu atelier, possivelmente ninguém sabe para onde...
Perdido no seu sonho e embriagado pela magia da sua arte, Costa esquece-se da gente, deixa-nos por completo perdidos entre "os coirinhos que a gente tem aqui". Creio bem que sua Ex.ª não é orgulhoso; que não desdenha dêstes desgraçados que por aqui, na terra da Tripa, ainda gostam de poisar olhos em boa pintura. Mas se porventura o é, não me furto a vir perante sua Ex.ª, humildemente, fazer a seguinte reza!
- Senhor! Nesta terra da Tripa, aqui vivemos em coisas de arte, entre "coirinhos que a gente tem aqui ...". Sabeis, Senhor, o que é a vida artística nesta invicta cidade cheia de Glória e Bacalhau...Paineis e Mamarrachos, mamarrachos e Paineis; "Sóquinhos" e "Verdades", "verdades" e " Sóquinhos...". E, de tempos a tempos, solenemente,com grande estrondo, a invasão dos "Pères Lapin"...
..."Pères Lapin", assim chamam os malthusianistas franceses aos ternos pais prolificos: Reis Pai & Reis Filho são agora os "Pères Lapin" da Pintura Portuguesa.. Nos últimos anos com efeito, caiu sôbre o Porto temerosa diarreia de pintura Reis-Pai, de pintura Reis-Filho, acompanhados ora sim ora não da sua côrte e vassalagem. E mal a gente, aborrecido, sai da última exibição saturado de real bonecada, já no horizonte, ao sul, lá para as bandas de Lisboa, se acastelam núvens, em ameaça torva de ousado ataque às gentes tripeiras; e eis, com efeito, que os jornais anunciam: "Deu-nos ontem a honra da sua visita...etc.". E pronto, lá está a tendinha outra vez no Salão: saem das gavetas, nos periódicos, os adjectivos caixa Nº 1 - Génio! Fulgor! Pasmo! Stupôr! - e a romaria começa, basbaque, à feira famosa do bruxedo reiseiro.
Ora, conversemos um pouco. isto de pintura, de bonecada, de paineis, da mesma maneira que música e poesia, vinho e amores, e mais amostras da patétice humana, apenas se tolera de boa qualidade e em doses fraccionadas.
Mesmo a grande Arte, nos Museus, absorvida em quantidade, imprudentemente, causa digestões e náuseas, faz da pintura uma coisa odiosa, insuportável, e finda-se por cair na desagradável impressão de vomitar óleo e tinta.
Os prolíficos Pères Lapin da grande pintura, mesmo quando Rubens se chamem, acabam por fatigar, na repetição monocórdica do seu tic estético: ao fim de algum tempo, no museu, fastidioso é já suportar as exuberâncias, truculências, hipertrofias e deboches, Kermesses, Olimpos, Deusas, Venus, Ninfas e todo o guarda-roupa flamante do pletórico flamengo : Jordaens ... ao fim de pouco tempo torna-se positivamente intolerável me Murillo enjoativo.
A arte pantagruélica torna o homem estúpido, pois que, se há coisa necessitando medida e discrição, é o ritmo oscilante e caprichoso com que a sensibilidade e os nervos de hoje recebem a sugestão artística.
Assim, pois, que há-de a gente fazer em face dêste duche de bonecos, pinturas e paineis, abóboras, garrafas, garrafões, tijelas, caçarolas, retratos, retratinhos, retratecos - senão gritar : - uff! Misericórdia, S. Jerónimo, Stª. bárbara, Virgem!
- Ou então, sr.!...
... é o sr. Canelas no "Salão Opel" ... em -:... Ritmos vibratórios em zig-zag psico-dinâmico: arqui- -vida metafísoco-plástica. Trevas em convulsão de Deus: espasmos extra-lúcidos de animismo super-consciente: filosofia plástica em contra-choque: Quintessência! Post-Essência! ascensão linear!
!UPA!
... Desta forma, Sr.! ousamos pedir-vos que nos liberteis por alguns momentos, de Paineis e Mamarrachos, "Verdades" e "Sóquinhos", e diarreia de garrafas, garrafões, caçarolas, tijelas, retratos, retratinhos e abóboras:- dais-nos, Sr.! qualquer coisa que nossos olhos contristados contemplem com prazer, qualquer coisa que nos alegre a alma dolorida, aqui estiolando entre os "coirinhos que a gente tem aqui..."
Assim, fica-se na expectativa e aguarda-se uma exposição:- mas esta jamais vem, e António Costa, misteriosamente, continua fechado no seu esfíngico silêncio.
Sabe desenhar, construir, modelar e pintar; tem uma alta visão de artista, a inteligência e a cultura:- coisa singular, quasi anormal, nesta boa terra de Tripa & Bacalhau, onde um mestre da Escola de Belas-Artes chama à rótula um "coirinho que a gente tem aqui" - "aqui", isto é precisamente na terra da Broa & Bacalhau - António Costa passa como um fantasma, silenciosamente, pelas ruas sonolentas, possivelmente para o seu atelier, possivelmente ninguém sabe para onde...
Perdido no seu sonho e embriagado pela magia da sua arte, Costa esquece-se da gente, deixa-nos por completo perdidos entre "os coirinhos que a gente tem aqui". Creio bem que sua Ex.ª não é orgulhoso; que não desdenha dêstes desgraçados que por aqui, na terra da Tripa, ainda gostam de poisar olhos em boa pintura. Mas se porventura o é, não me furto a vir perante sua Ex.ª, humildemente, fazer a seguinte reza!
- Senhor! Nesta terra da Tripa, aqui vivemos em coisas de arte, entre "coirinhos que a gente tem aqui ...". Sabeis, Senhor, o que é a vida artística nesta invicta cidade cheia de Glória e Bacalhau...Paineis e Mamarrachos, mamarrachos e Paineis; "Sóquinhos" e "Verdades", "verdades" e " Sóquinhos...". E, de tempos a tempos, solenemente,com grande estrondo, a invasão dos "Pères Lapin"...
..."Pères Lapin", assim chamam os malthusianistas franceses aos ternos pais prolificos: Reis Pai & Reis Filho são agora os "Pères Lapin" da Pintura Portuguesa.. Nos últimos anos com efeito, caiu sôbre o Porto temerosa diarreia de pintura Reis-Pai, de pintura Reis-Filho, acompanhados ora sim ora não da sua côrte e vassalagem. E mal a gente, aborrecido, sai da última exibição saturado de real bonecada, já no horizonte, ao sul, lá para as bandas de Lisboa, se acastelam núvens, em ameaça torva de ousado ataque às gentes tripeiras; e eis, com efeito, que os jornais anunciam: "Deu-nos ontem a honra da sua visita...etc.". E pronto, lá está a tendinha outra vez no Salão: saem das gavetas, nos periódicos, os adjectivos caixa Nº 1 - Génio! Fulgor! Pasmo! Stupôr! - e a romaria começa, basbaque, à feira famosa do bruxedo reiseiro.
Ora, conversemos um pouco. isto de pintura, de bonecada, de paineis, da mesma maneira que música e poesia, vinho e amores, e mais amostras da patétice humana, apenas se tolera de boa qualidade e em doses fraccionadas.
Mesmo a grande Arte, nos Museus, absorvida em quantidade, imprudentemente, causa digestões e náuseas, faz da pintura uma coisa odiosa, insuportável, e finda-se por cair na desagradável impressão de vomitar óleo e tinta.
Os prolíficos Pères Lapin da grande pintura, mesmo quando Rubens se chamem, acabam por fatigar, na repetição monocórdica do seu tic estético: ao fim de algum tempo, no museu, fastidioso é já suportar as exuberâncias, truculências, hipertrofias e deboches, Kermesses, Olimpos, Deusas, Venus, Ninfas e todo o guarda-roupa flamante do pletórico flamengo : Jordaens ... ao fim de pouco tempo torna-se positivamente intolerável me Murillo enjoativo.
A arte pantagruélica torna o homem estúpido, pois que, se há coisa necessitando medida e discrição, é o ritmo oscilante e caprichoso com que a sensibilidade e os nervos de hoje recebem a sugestão artística.
Assim, pois, que há-de a gente fazer em face dêste duche de bonecos, pinturas e paineis, abóboras, garrafas, garrafões, tijelas, caçarolas, retratos, retratinhos, retratecos - senão gritar : - uff! Misericórdia, S. Jerónimo, Stª. bárbara, Virgem!
- Ou então, sr.!...
... é o sr. Canelas no "Salão Opel" ... em -:... Ritmos vibratórios em zig-zag psico-dinâmico: arqui- -vida metafísoco-plástica. Trevas em convulsão de Deus: espasmos extra-lúcidos de animismo super-consciente: filosofia plástica em contra-choque: Quintessência! Post-Essência! ascensão linear!
!UPA!
... Desta forma, Sr.! ousamos pedir-vos que nos liberteis por alguns momentos, de Paineis e Mamarrachos, "Verdades" e "Sóquinhos", e diarreia de garrafas, garrafões, caçarolas, tijelas, retratos, retratinhos e abóboras:- dais-nos, Sr.! qualquer coisa que nossos olhos contristados contemplem com prazer, qualquer coisa que nos alegre a alma dolorida, aqui estiolando entre os "coirinhos que a gente tem aqui..."
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