quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

No falecimento de António Costa

Em 23 de Novembro de 1961, poucos dias após o falecimento de António Costa, Octávio Sérgio publicou no jornal "O Norte Desportivo" um artigo titulado  "NA MORTE DO PINTOR ANTÓNIO COSTA", que a seguir se transcreve, dada a deficiente qualidade do exemplar daquele jornal em meu poder.

"Todos nós seus amigos o sabíamos perdido, e, portanto a notícia da sua morte, ainda que muito dolorosa, não nos surpreendeu.
António Costa foi durante muitos anos um dos meus amigos mais íntimos e dedicados.
A nossa amizade de camaradas durou mais de quarenta anos e começou quando ambos éramos rapazes. Encontrámo-nos na Escola de Belas-Artes, na aula de Pintura, do mestre Marques Oliveira, e ali tivemos como companheiros, entre outros, Henrique Medina, Eduardo Malta, Barreiros da Cunha, Carlos Carneiro, Joaquim Silva e Adolfo Silva. Os meninos bonitos da aula eram Henrique Medina e Eduardo Malta, que mostravam habilidades excepcionais. António Costa, porém, nada tinha a ver com os habilidosos, pois tudo nele era inteligência, vontade de ferro, persistência, estudo e reflexão.
A biografia do Pintor ilustríssimo que foi António Costa não cabe um simples e modesto artigo de jornal. Mas é tão cheia de ensinamentos e de notas curiosas, que bem gostaria eu de a escrever um dia.
António Costa, como homem era de uma seriedade rara, verdadeiramente impressionante. A sua máscara vincada, dura, grave, encobria, porém, os sentimentos mais puros de um coração sensível. Como é natural e lógico, António Costa, como pintor, reflectia essa seriedade, essa gravidade. Continua a ser verdadeiro que "o estilo é o homem".
Não começou António Costa como "menino prodígio , não. Levou seu tempo a fazer-se, precisamente porque não era, felizmente, dotado dessa habilidade que muitas vezes se confunde com talento, quando e certo que o verdadeiro artista rarissimas vezes é habilidoso.
Destinava-o sua família ao comércio, e chegou a fazer num estabelecimento de fazendas da Rua das carmelitas a sua aprendizagem de marçano.
Mas era outro o seu destino, pelo que foi matricular-se na antiga Academia Portuense de Belas-artes, onde o fui encontrar, ele como aluno ordinário, eu como aluno voluntário.
Apesar de termos feitios muito diferentes e mentalidades em alguns pontos antagónicas, fizemos grande e leal amizade pela vida fora, e nunca entre nós houve a mais pálida diferença.É que António Costa era, antes de mais nada e acima de tudo, um homem primorosamente educado, recto e correcto.
Por isso a sua pintura foi sempre profundamente séria.
Mas tinha horror aos grupinhos, às capelinhas, e nunca logrou ter à sua volta uma corte de admiradores endinheirados. Ele próprio fugia desses meios onde é fácil triunfar, não pelo talento e pelo saber, mas, sim, pelos salamaleques, pelas reverências servis e simiescas. Já o seu próprio estilo, tão sério, tão grave, tão firme, tão sólido, afugentaria essa gente especial de certos meios a que é costume chamar …"alta sociedade".
António Costa, mesmo sempre a remar contra a maré, sem padrinhos nem mecenas, afirmou-se no nosso meio artístico, cada vez mais pobre, como um pintor de garra. Foi sobretudo um artista do claro-escuro, um desenhador de pulso, para o qual o "chiquè" das linhas escusadas era uma mentira convencional, aceite apenas pelos que ignoram completamente a seriedade do desenho.
Pintor, sim, cultivando todos os géneros, o retrato, a composição  a paisagem, a natureza morta. mas foi principalmente no retrato, que continua a ser a pedra de toque dos verdadeiros artistas, que deixou bem marcada a sua garra inconfundível de mestre incontestado do claro-escuro.
Abel Salazar, há poucos anos, numa entrevista concedia a um jornal de Lisboa, falou do pintor António Costa com o maior entusiasmo. Não exagerou quando lhe chamou grande pintor, um dos mais sérios pintores portugueses do seu tempo.
Se, como amigo e camarada de tantos anos, choro e lamento a sua morte, como seu admirador afirmo que é preciso reparar uma falta: é necessário que se organize, dentro de pouco, uma grande exposição retrospectiva da sua obra , e que alguém se encarregue de escrever um estudo biográfico e crítico sobre o pintor.
Não há, em boa verdade, melhor homenagem a prestar aos que desapareceram deste mundo do que lembrar o que fizeram de melhor no trânsito da sua vida bem efémera.
António Costa estava ausente dos meios artísticos há já um bom par de anos, mas deixou uma obra que chega para assinalar a marca de um verdadeiro e sério artista."




Neste artigo, escrito por um grande amigo de António Costa, que com ele conviveu desde a juventude, realçam-se alguns traços da sua personalidade marcante.

Na sua parte final Octávio Sérgio deixa duas ideias: a organização de uma exposição retrospectiva e   a escrita de uma biografia.

Não sendo hoje viável satisfazer qualquer um destes desideratos, resta-me, enquanto único neto vivo e passados mais de 50 anos sobre o seu falecimento, concretizar através deste blog e de uma publicação em fase de estudo uma modesta homenagem ao Homem  e deixar, para memória futura, uma lembrança  do que António Costa "…de melhor fez no trânsito da sua vida efémera". 

Notas biográficas de António Costa


Filho de Ermelinda Ferreira da Costa, nasceu no Porto em 7 de Dezembro de 1898.

Casa-se em 1921 com Violante Leite de Magalhães (1898-1980), com quem tem 3 filhos : Maria Violante (1921-2003), Miguel Ângelo (1924-1980), meu Pai, e António Raimundo, este falecido com tenra idade.

Viveu uma grande parte da sua vida, mesmo depois de casado, na casa de sua Mãe, à Rua do Rosário, 121, Porto, onde aquela desenvolvia a sua actividade de modista. 

Frequentou na Escola de Belas Artes do Porto o Curso Especial de Pintura do Mestre Marques de Oliveira, onde foi companheiro de Octávio Sérgio, Henrique Medina, Eduardo Malta, Barreiros da Cunha, Carlos Carneiro, Joaquim Silva e Adolfo Silva, que concluiu com classificação de Bom.


Entre 1923 e 1932 desempenha funções docentes na Escola de Artes e Ofícios Vitorino Damásio (Lagos), na Escola Industrial de Passos Manuel (Vila Nova de Gaia) e na Escola Industrial Infante D. Henrique (Porto).


Em 1930 passa a desempenhar  funções de Director Pedagógico na Escola Nacional de Desenho sediada na Avenida dos Aliados, 54, Porto, dedicada ao ensino de desenho por correspondência.

Entre Dezembro de 1931 e Setembro de 1934, António Costa atravessa um período de forte actividade política que lhe valeu ser detido  pela Polícia Internacional Portuguesa (posteriormente PVDE e PIDE) várias vezes com fixação de residência em Peniche (Forte de Peniche)  e em Angra do Heroísmo (Forte de S. João Baptista), bem como um período de exílio em Espanha.

Em Fevereiro de 1932 é demitido compulsivamente do cargo de Professor Efectivo da Escola Industrial Infante D. Henrique, que então desempenhava.

Em 1933 concorre ao concurso aberto pela Escola de Belas Artes do Porto, por morte de António Carneiro, para regente da cadeira de Pintura, no qual Dórdio Gomes é o 1º classificado e António Costa o 2º.

No final dos anos 40 cria  no Porto uma oficina de gravação de cilindros de cobre para a indústria de estamparia de tecidos. Posteriormente, associa-se à empresa francesa Keller Dorian Graveurs para criar a GRACEL - Gravadores Associados, Lda, com sede em Soutelo - Gondomar, já com actividades de âmbito mais alargado.

Em 1951 foi reintegrado nos quadros da Escola Industrial Infante D. Henrique. Entre 1952 e 1955 lecciona na Escola Gomes Teixeira, Porto. Regressa à Escola Industrial Infante D. Henrique em 1955 e ali lecciona até ao fim da vida.


Falece em 1961.


OBRA


António Costa encontra-se representado em numerosas colecções particulares e ainda nalguns museus nacionais :

  •  Museu Nacional Soares dos Reis (Porto)
  •  Casa Museu Teixeira Lopes (Vila Nova de Gaia)
  •  Museu Abade de Baçal (Bragança)
  •  Casa Museu Fernando Castro (Porto)
  •  Fundação Instituto Arq. Marques da Silva (Porto).

EXPOSIÇÕES


António Costa apenas realizou uma exposição individual, em 1937, no Salão Silva Porto, no Porto, na qual 36 obras suas atestam uma técnica apurada em quatro disciplinas: óleo, pastel, desenho e também águas fortes. A iniciativa desta exposição decorreu da necessidade de fazer face às dificuldades financeiras geradas nos  períodos em que António Costa esteve preso ou exilado.




Participa, também, em algumas exposições colectivas, de que se citam, por estarem documentadas:


  • 10ª Exposição Anual da Sociedade de Bellas-Artes do Porto, no Salão Silva Porto, em 1921
  • Exposição Internacional Centenário da Independência do Brasil, Rio de Janeiro, 1922
  • XII Exposição Anual da Sociedade de Belas Artes do Porto, no Salão Nobre da Associação Católica do Porto, em 1923
  • XXIII Exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, em 1926
  • Exposição Histórica do Vinho do Porto, no Salão Silva Porto, em 1931
  • Exposições Anuais realizadas pela Sociedade de Belas artes do Porto, no Salão Silva Porto (1931, 1932 e 1935)
  • Exposição de Pintura, Escultura e Arquitectura da Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, em 1933
  • Grande Exposição de Artistas Portugueses, no Salão Silva Porto, em 1935
  • Exposição de Arte da Escola Livre das Artes do Desenho, na Câmara Municipal de Coimbra, em 1935
  • Exposição Marítima do Norte de Portugal, no Palácio de Cristal no Porto, em 1939.

REFERÊNCIAS
  • Soares, Luis Lousada - Artes e Letras: Na tradição das gentes da casa, OPCA, 1992
  • Santos, Alfredo Ribeiro dos - A Tertúlia de José Praça no Ateneu Comercial do Porto, 1991
  • Sérgio, Octávio - Na morte do Pintor António Costa, in O Norte Desportivo de 23 de Novembro de 1961
  • Vasconcelos, Artur - Do retrato à Paisagem. Memórias Afectivas e Operativas, Porto 2012
  • Salazar, Abel - "O pintor António Costa e os coirinhos que a gente tem aqui…", in O Diabo - Grande semanário de literatura e crítica, nº 89 de 8 de Março de 1936