A única exposição individual de António Costa, realizada em Fevereiro de 1937 no Salão Silva Porto, no Porto, teve na sua génese as necessidades económicas geradas pela instabilidade da sua vida no período 1931/34, durante o qual, e por razões políticas, foi por diversas vezes preso e internado no Forte de Peniche e no Forte de S. João Baptista (Angra do Heroísmo).
Nessa exposição António Costa apresentou 36 trabalhos, em 4 disciplinas: óleo, pastel, desenho e gravura, tendo as obras vendidas - a quase totalidade das expostas - rendido 17.200$00…
A propósito desta exposição foram publicados dois artigos: um, na coluna de Arte de publicação e autor não identificados, a seguir transcrito:
António Costa é um dos mais talentosos e notáveis pintores da moderna geração. Afirma-o, exuberantemente,a sua obra primorosa - documento flagrante e precioso dum talento pujante e duma sensibilidade apurada.
António Costa tem tanto de modesto como de talentoso. E este pintor - que tão sobejas provas de mérito artístico tem dado - ainda não está no professorado da nossa Escola de Belas - Artes! Ali, a sua figura e a sua arte seriam o luminoso orgulho duma geração de artistas e professores de arte.
É preciso ir-se ver, ao Salão Silva Porto, a notável exposição de António Costa - que acaba de ser ali inaugurada com extraordinária concorrência - para se aquilatar da pujança do talento, do insofismável pessoalismo, da poderosa técnica e da requintada sensibilidade do expositor.
De facto, António Costa formou uma galeria de arte a todos os títulos notável. Os trinta e seis trabalhos expostos - óleo,pastel, desenho e gravura - formam um conjunto precioso, a que as pupilas dos nossos olhos se prendem num embevecimento.
A expontaneidade da fatura, o pessoalismo e a pujança da técnica, o puro sentido académico do desenho, a natural e inteligente distribuição das cambiantes - enfim, todo o conjunto artístico e espiritual dos mil segredos da pintura está firme e integro, na paleta privilegiada de António Costa.
Na exposição vêem-se cinco grandes retratos - quatro a óleo e um a pastel. Este e o e Mestre Teixeira Lopes, uma preciosa obra-prima, como aliás, são os restantes - os dos arquitectos Marques da Silva e Agostinho da Fonseca, da veneranda mãe do sr. dr. Couto Nobre e do sr. Nicolau da Fonseca. Todos estes retratos são admiráveis como flagrância, como arte e como técnica. Têm vida - as figuras parecem fixar-se com alma, parecendo querer falar… A delicadesa da fatura do retrato do grande estatuário Teixeira Lopes é surpreendente. Dois pastéis formidáveis : Poveiro e Vareiro - duas máscaras fortes, cheias de carácter.
O estudo Fim - título que é uma síntese e um símbolo - é simplesmente notável. Arrepia toda aquela verdade !
Em paisagem expõe António Costa quadros belos e de superior relêvo artístico, como : Douro, Sobrosa, Gerêz, Casa no Douro - adorável de contrastes de luz - , etc. Delicadas as suas Rosas, belo o estudo do nú, flagrantes e encantadores os dois trabalhos de natureza-morta e primorosos de carácter os aspectos do Porto típico, em que há verdade, fisionomia própria e ambiente.
Em desenho e gravura também apresenta excelentes trabalhos. Magníficos os retratos a desenho do escultor Américo Gomes e do sr. Fernando Galhano, e o auto-retrato.
A exposição continua franqueada ao público. Já foram adquiridos alguns trabalhos.
A brilhantíssima galeria de arte de António Costa - o talentoso pintor-intelectual - merece ser vista por todos os amadores de pintura; deve mesmo ser visitada por todos aqueles que se interessam pelas manifestações de arte pictural - já que este primoroso certame, sendo a cabal e vitoriosa afirmação dum sólido talento, é ao mesmo tempo, um motivo de nobre orgulho para a pintura portuguesa."
A outra critica, de autoria de Tércio Miranda, foi publicada no jornal O Diabo, Ano II, nº 142, 14 de Março de 1937, p.8 (@CasaComum.org), transcrita seguidamente:
"António Costa no Salão Silva Porto
Desta feira de vaidades em que se vive e que giram à volta do turvo marulhar daqueles que jornadeiam com o trabalho e a inteligência alheias, surge às vezes a nota destacante que voeja em palpitações místicas.
Tal é o caso da exposição de António Costa no Salão Silva Porto, deslumbramento pletórico de côr e de forma, que traduz a realidade objectiva da sua Arte _ a Arte de Pintar - numa agudeza deliciosa de perfume pagão.
A plasticidade incorruptível dos seus trabalhos tem a vibração estética da vida e são todos tocados de penetrante sagacidade. é a vitalização da tela, em tonalidades prodigiosas, na magnificência realista da onda tumultuosa da existência.
António Costa é um artista - está na plana dos maiores Artistas do seu tempo.
Em impressionismos marcantes de Mestre, sabe dar valor objectivo ao quadro, sob o influxo maravilhoso e profundo de formas imperecíveis, afirmando a sua touche vigorosa de colorista, sem exuberâncias decorativas.
É inteligente e culto. E, vivendo e sentindo as dores humanas, sabe dar - como é sua própria expressão - humanidade aos seus modelos.
E assim é, em verdade.
O pincel e o lápis do Artista surgem como a interpretação sublime do verdadeiro sentido humano, inçando a bondade ingénua e pura do lutador que se bate nas fráguas da dor lancinante.
Os retratos de Teixeira Lopes e Marques da Silva, como os demais expostos, são o perfeito significado da humanização e da vitalização da tela. Ali há forma. Há transparência de côr e realidade de penetração.
As fisionomias observadas nos dois estudos para um quadro - Fim - revestem-se de expressões tétricas que evocam a dôr cruel e a miséria envolvente das vítimas do desiquilíbrio social. Os dois estudos são bem o legendário bruxuleante da vida, sob a influencia desconjuntante de várias paixões. É como na água-forte - Os degraus da Igreja e da Bolsa - uma mancha flagrante de vida emurchecada. É a luz mística que ilumina aqui o pórtico do templo. Em contraste, a sombra que se projecta na pendência das escadas envolve algumas deformações humanas, que pacientemente esperam, naquela degradação, o óbulo, dado e recebido, por caridade de Deus...
Na paisagem, António Costa reune um documentário artistico de precioso merecimento.
Não é preciso destacar o recanto do Douro, Gerez ou Sabrosa, focar pinheiros ou rosas, motivos de natureza morta, cenas de rua ou qualquer rincão de vetustes citadina. Todo o repositório artístico de maravilhas que se expõem no Salão Silva Porto, em Cedofeita, é uma canção sublime de bucolismo palpitante, cuja côr e ritmo fazem parte integrante da personalidade do Mestre, cuja técnica segura vai até ao conhecimento perfeito do valôr das tintas e da ciência das proporções.
António Costa tem o conceito elegíaco da Arte que toca a dor eterna e criadora e o seu pincel resplandece em arremêços heróicos de notas fúlgicas e de singular beleza.
É soberbo no lápis, sob a expressão transcendente da verdade emotiva.
Nos retratos deixa transparecer a fluidez subtil da síntese psicológica da imagem real, sendo o seu auto-retrato um primoroso estudo litográfica, onde muito poderão aprender os que se dedicam a esta profissão.
António Costa, que conquistou por direito o seu lugar entre os raros Mestres, não pode para no meio desta vertigem desordenada do viver contemporâneo.
Parar - usando a frase banal mas certa - é morrer.
E António Costa, o Artista que dá movimento e côr ao drama selvagem da vida trágica, não parará.
No poder das ideias, terá que caminhar sempre à margem desta feira de vaidades, onde os canhões da vida contemporânes saltam por cima do trabalho honesto e inteligente."